terça-feira, 30 de setembro de 2008

De novo o trabalho precário na CMA

Começo por vos citar duas frases:

«Valorizamos, naturalmente, o esforço no sentido de promover a defesa, a dignificação, a qualificação do emprego com direitos e com vínculo público. Porque (ao contrário da propaganda neo-liberal que alguns Srs Deputados Municipais defendem com tanto afinco) essa é, também, uma condição integrante de serviços públicos de qualidade. É esta a nossa visão de desenvolvimento sustentável e solidário. E a actividade do Município de Almada, no exercício de 2005, permite concluir que essa visão foi levada à prática.» - Excerto da intervenção de Bruno Dias, da bancada da CDU na Assembleia Municipal de Almada em 28-04-2006.

«Quando se faz referência à precaridade laboral na Câmara Municipal de Almada. Eu acho que isto para nós arrepia-nos, para nós incomoda-nos. Nós temos uma teoria e uma prática, e é coincidente não andamos a dizer uma coisa e a fazer outra. Portanto, eu gostaria de vos dizer que no Universo de mil quatrocentos e cinquenta e oito trabalhadores na Câmara Municipal, nós chegamos ao fim do ano com apenas quarenta e oito trabalhadores a termo certo. E quem são esses trabalhadores? São do sector onde a rotatividade é maior, nos cantoneiros de limpeza, é aí que nós temos contratos de trabalho a termo certo, porque se não enveredamos por este recurso não temos trabalhadores a limparem as ruas ou a recolherem o lixo. E a mobilidade é muitíssimo elevada no sector da limpeza, ou seja, na área dos cantoneiros.» - Excerto da intervenção da Sr.ª Presidente da Câmara na Assembleia Municipal de Almada em 30-04-2007.

Contrariamente ao que alguns querem fazer crer, em particular aqueles que gostam de fazer leituras selectivas do que escrevo para conduzir a interpretações sectárias que deturpam o sentido do meu discurso, foi por ter feito contas (baseada nos dados disponíveis on-line no site da CMA) que posso afirmar que existe trabalho precário no município de Almada.

Num primeiro nível de análise, nem sequer estou a duvidar que tenham sido cumpridos todos os formalismos legais para o efeito. As diversas formas de trabalho precário que referi (e continuo a insistir que nesta tipificação, por mais que isso incomode alguns, cabem não só os contratos individuais de trabalho a termo resolutivo como, também, os de prestação de serviços em regime de tarefa ou de avença, apesar de as condições da sua celebração sejam, de facto, bem diferentes) estão previstas na lei e se forem cumpridos todos os requisitos (da fundamentação à execução) são formas legítimas de contratação de pessoal, adequadas a casos específicos e para resolver problemas concretos.

O que me indigna é a demagogia da CDU bem patente nas palavras de Bruno Dias e da Presidente da Câmara. Se não foram cometidos quaisquer ilícitos na contratação de pessoal e se até existem justificações válidas que temos de aceitar (porque é lógica e evidente, em particular para quem trabalha na área dos recursos humanos na Administração Pública e sabe das dificuldade a que Maria Emília se refere, seja por impedimentos processuais demasiado burocratizados ou mobilidade excessiva – sobretudo pelo fraco incentivo salarial e condições desgastantes de desempenho funcional de algumas categorias) porque se recusam a admitir que existe trabalho precário na CMA?

Entre 2006 e 2007, a taxa de crescimento do número de contratos a termo resolutivo subiu 42% (de 48 trabalhadores passou para 68, respectivamente). E tendo por referência o mesmo período, a despesa respectiva cresceu 36%: de 310.190,54€, em 2006, para 420.635,85€, em 2007. Embora seja de prever um decréscimo global de cerca de 7% relativamente à previsão para 2008 (comparando os anos de 2005 e de 2008). Em contrapartida, os avençados e os tarefeiros têm vindo a crescer de ano para ano (entre 2005 e 2008 subiram cerca de 19%).

São estes os números que interessam analisar. Introduzir aqui a variável média (sabendo nós que os extremos ficam anulados) não me parece correcto e passo a explicar.

Ora se dividíssemos o gasto anual por contrato, teríamos que a CMA despendera 6.462,30€/ano, em 2006, e 6.185,82€/ano, em 2007, por trabalhador, significando que a CMA tinha pago salários (incluindo os meses de Férias e de Natal) médios inferiores à respectiva tabela: 461,59€ (em 2006) e 441,84€ (em 2007). O que de todo não seria possível e, com toda a certeza, não aconteceu.

Por isso, pretender que se analisem estes dados, isso sim, é querer desviar as atenções do problema principal, até porque quem assim o exige deverá saber, com certeza, que o vencimento de 517,10€ para um cantoneiro de limpeza (um valor irrisório, de facto) se refere ao trabalho a tempo inteiro e nós desconhecemos (pelo menos eu não tenho esses elementos), por exemplo, se existe pessoal contratado a tempo parcial e, dada a mobilidade existente no sector, também não sabemos quantos nem sequer um mês de serviço cumpriram. E muitos mais elementos nos faltam para, em segurança, poder analisar estes números de que fui acusada de não ter analisado, apesar de ser algo tão simples de fazer… Parece-me contudo, a bem da verdade, devem os leitores deste blog perceber não ser esta uma tarefa assim tão linear como nos querem convencer.

Além disso, em nenhum ponto do meu artigo anterior (se é que o leram com atenção) dei a entender que considerava um exagero os valores pagos, exclusivamente, ao “pessoal a termo certo”. O que eu disse, e repito, foi que em 2007 afectar cerca de 7% do total dos encargos com “remunerações certas e permanentes” ao pagamento do “pessoal a termo certo” e ao “pessoal do regime de tarefa ou avença” era um tanto exagerado (a soma das duas rubricas e não cada uma delas isolada) para se referir apenas a uns quantos casos pontuais de sectores com mobilidade acima da média (como o dos cantoneiros) – no primeiro exemplo (termo certo), ou a técnicos afectos a projectos específicos de duração limitada – no caso seguinte (avençados e tarefeiros).

Escusado será dizer, portanto, que espero que o assunto tenha ficado, definitivamente, esclarecido. E, para terminar esta parte, se mencionei os meus conhecimentos académicos e profissionais foi apenas porque queria que percebessem que não sou uma leiga na matéria, quiçá ao contrário de muitos que tentam defender o indefensável apenas porque o partido assim diz que é e confiam cegamente naquilo que lhes apresentam à frente, sem questionar, como se enganos e irregularidades só fossem possíveis do outro lado da barricada (para utilizar uma analogia com a linguagem bélica do tal erro no tiro ao alvo).

Continuando, que há mais uns quantos pontos que convém esclarecer:

Volto a insistir que, trabalho precário podem ser, também, os contratos de avença e de tarefa. E podem sê-lo porquê? Vejamos:

Sendo certo que nem todos os contratos de prestação de serviços configuram situações de precaridade, como é óbvio, afirmar que as prestações de serviço «em todo o lado, sem excepção» são «essencialmente assumidas com especialistas de determinada área do conhecimento e de forma geral muito competentes, que estão longe, muito longe, de poder ser considerados trabalhadores precários» é de um autismo atroz acerca do que é a realidade da Administração Pública (Central e Local), sendo que, lamentavelmente, a CMA não é excepção.

Como classificariam vocês situações em que, apesar de o trabalhador ter assinado um contrato de prestação de serviços (uma avença, por exemplo), no âmbito de uma profissão liberal, sem sujeição à hierarquia e disciplina dos Serviços, lhe fosse imposto que cumprisse um determinado horário nas instalações da CMA, lhe dissessem que tinha de obedecer às mesmas regras de direcção que os restantes funcionários e lhe ordenassem que só poderia escolher férias e licenças de acordo com o plano superiormente aprovado?

E que diriam se soubessem que, apesar de desempenhar funções com carácter permanente e regular, ou seja, que preenche um posto de trabalho essencial (por isso o seu contrato tem vindo a ser prorrogado no tempo durante anos consecutivos), a autarquia prefere manter a situação precária em vez de dar início às diligências adequadas para proceder à sua integração?

Julgo ser dispensável a resposta a estas duas perguntas, pois ela é bastante clara.

Não se trata de confundir as coisas, não. Muito pelo contrário. Na Câmara Municipal de Almada existem vários casos como o que descrevi em termos genéricos. Não é uma insinuação o que faço. É uma acusação! Directa e frontal. Assumo-a com todas as consequências que daí possam advir.

Mas alguém acha que eu iria, de ânimo leve, escrever sobre este assunto? Casos concretos? Obviamente que os conheço! E a minha indignação foi tanta ao ter tido conhecimento de um caso em particular, que considero escandaloso, que me levou a tornar pública a minha posição. Mas, como devem calcular, por razões óbvias, não os posso aqui identificar. Essas informações estão a ser coligidas e serão apresentadas nas instâncias devidas.

Por isso, chega de deturpar aquilo que escrevo. E se, por contraponto às minhas opiniões, o retrato da CMA fica tremido e houver alguém que não queira acreditar que tenho razão, está no seu direito, mas antes de se manifestar, publicamente, sobre a honestidade das minhas afirmações, trate de averiguar se aquilo que digo é ou não verdade. E tal como me pedem dados concretos apresentem provas irrefutáveis de que estou a mentir.

A convicção de que uma autarquia liderada pela CDU nunca cometeria irregularidades destas (ou outras) é, manifestamente, insuficiente. Embora nos queiram passar a imagem de que todos os autarcas da CDU são um exemplo de boa gestão autárquica, isentos de falhas, começa, em Almada, a esboroar-se… atente-se, só para citar um exemplo recente, no caso da Junta de Freguesia da Sobreda onde, segundo consta, até já houve “demissões” no órgão executivo e a Presidente se encontra com “termo de identidade e residência” na sequência de um processo judicial instaurado depois de terem sido descobertas uma quantas ilegalidades no sector do pessoal, nomeadamente o esquecimento deliberado na entrega dos descontos dos funcionários para a Caixa Geral de Aposentações.

Por isso, arrepios causam-me certas atitudes intransigentes, como a do cego que, não o sendo, se recusa, deliberadamente, a observar aquilo que o incomoda só para não ter de admitir que está errado.

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