quinta-feira, 26 de março de 2015

Como a incoerência de uns a juntar à incompetência de outros "matou" a Assembleia Distrital de Lisboa.


A novela das Assembleias Distritais, no caso de Beja e de Lisboa, continua a arrastar-se num impasse que apenas está a prejudicar os trabalhadores e a deixar sem destino definido o património cultural. Tudo porque à frente de quaisquer interesses que visem a defesa de uns e de outro, estão objetivos políticos e partidários pouco transparentes a que se juntam a incompetência do Governo para resolver a situação (como já aqui demonstrámos) e a incoerência das autarquias envolvidas (como adiante pretendemos evidenciar).
O exemplo que iremos analisar é o de Lisboa onde o enredo é kafkiano e bastante mais complexo do que em Beja. As raízes do problema remontam há três décadas atrás com a preparação do esquema (1980 – 1991) que levaria ao confisco (1991 – 2011) do valioso património predial da Assembleia Distrital (quintas seculares, lotes de terreno para construção, bairros sociais, edifícios de serviços no centro da capital) que desde sempre despertou a cobiça do Governo o qual soube aproveitar muito bem o desinteresse das autarquias onde esses bens se localizam (Amadora, Lisboa, Loures e Odivelas) apesar de, perante as consequências (2011 – 2013) da gestão danosa que levou à degradação desses bens (vários estão mesmo em ruínas) alguns responsáveis autárquicos tenham começado, finalmente, a mostrar preocupação com a situação e, por isso, a Assembleia Distrital deliberou, em 11-02-2011, que fosse realizado o estudo pormenorizado e o inventário detalhado desses imóveis o qual foi concluído dois anos depois e consta do Capítulo II do Relatório e Contas de 2013, aprovado por maioria, sem votos contra, na reunião de 04-06-2014.
Ponto Um
Embora a Lei n.º 36/2014 só viesse a ser publicada em 26 de junho, atendendo a que o Parlamento já havia aprovado o texto final da proposta do Governo, colocada perante os cenários possíveis para definição da sua Universalidade Jurídica e depois de devidamente informada das consequências de cada uma das opções na reunião realizada em 04-06-2014, a Assembleia Distrital de Lisboa escolheu avançar com a hipótese que considerava a integração de todo o património predial inventariado.
A decisão acima identificada foi assumida pelos representantes dos municípios de Alenquer, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Cadaval, Loures, Lourinhã, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras.
Ponto dois
Para dar cumprimento àquela intenção, a Assembleia Distrital aguardou pela publicação do Despacho referido no n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 36/2014, de 26 de junho. E só depois de terminado o prazo legalmente estabelecido para o efeito, verificado que tal ato não fora publicado, é que a ADL emitiu um comunicado de imprensa e os serviços avançaram, então, com a definição da sua Universalidade Jurídica, a qual só viria a ser aprovada na reunião efetuada em 12-09-2014 assim como a proposta para a sua transferência.
Nesta reunião estavam presentes os municípios de Alenquer, Amadora, Arruda dos Vinhos, Cadaval, Cascais, Lisboa, Loures, Lourinhã, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sintra, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira, cujos representantes votaram maioritariamente a favor (26) e apenas 3 se abstiveram. Não houve votos contra.
Ponto três
Depois de desenvolvidas as diligências necessárias ao esclarecimento das dúvidas surgidas em 12-09-2014, nomeadamente sobre a posição do Município de Lisboa para quem fora deliberado transferir a Universalidade (com as exceções do património localizado nos concelhos da Amadora, Loures, Odivelas e Vila Franca de Xira), e que se mantiveram em 17-10-2014 levando à suspensão dos trabalhos, tendo os representantes do Município da capital garantido que a Câmara de Lisboa ia aceitar a Universalidade, a proposta definitiva sobre a transferência foi finalmente aprovada em 24-10-2014 com 29 votos a favor (dos representantes dos municípios de Alenquer, Amadora, Arruda dos Vinhos, Cascais, Lisboa, Loures, Lourinhã, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sintra, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira) e uma abstenção (do município do Cadaval).
Ponto quatro
De seguida, para dar cumprimento ao estabelecido na alínea b) do n.º 5 do artigo 3.º da Lei n.º 36/2014, deu-se início ao processo de aceitação do património pelos órgãos deliberativos autárquicos:
A Assembleia Municipal da Amadora, apesar da concordância da Câmara, não chegou a pronunciar-se sobre a matéria (por motivos que desconhecemos), tal como a Assembleia Municipal de Lisboa que, por omissão de pronúncia, levou a que se entrasse no processo de determinação subsidiária da Entidade Recetora.
Ponto cinco
No que se refere ao Município de Lisboa, apenas em 15-01-2015 (um mês depois de findo o prazo para a Assembleia Distrital ter entregado o processo ao Governo) é que acabou por comunicar que, afinal, rejeitava a Universalidade e ainda assim fê-lo utilizando argumentos não verdadeiros.
O comportamento ilícito da autarquia de Lisboa, no que se refere à recusa em pagar as contribuições a que estava obrigada (artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro – uma obrigação que a Lei n.º 36/2014, de 26 de junho, veio mandar regularizar), levando a Assembleia Distrital de Lisboa à falência deliberada, ao encerramento compulsivo dos Serviços de Cultura e à existência de salários em atraso há vários meses consecutivos, encontra-se detalhado ao pormenor no documento Assembleia Distrital versus Câmara Municipal de Lisboa: Factos & Contradições, o qual também descreve a atuação de má-fé do município no âmbito do processo de transferência da Universalidade Jurídica e que impediu fosse possível encontrar uma solução alternativa para a sua destinação levando à determinação subsidiária da Entidade Recetora.
Ponto seis
No âmbito do processo subsidiário previsto no artigo 5.º da Lei n.º 36/2014, o Governo contactou a Área Metropolitana de Lisboa que veio a deliberar, no passado dia 19-03-2015, não aceitar a Universalidade da Assembleia Distrital de Lisboa em termos que mereceram alguns esclarecimentos da Assembleia Distrital.
A deliberação foi tida por unanimidade com 15 votos a favor dos municípios de Alcochete, Almada, Barreiro, Lisboa, Loures, Mafra, Moita, Odivelas, Oeiras, Palmela, Seixal, Sesimbra, Setúbal, Sintra e Vila Franca de Xira.
Ponto sete
Comunicada ao Governo a rejeição expressa acima referida, este irá agora notificar a Assembleia Municipal de Lisboa para que este órgão se pronuncie sobre a Universalidade da Assembleia Distrital.
Ora acontece que, tendo presente qual foi o comportamento dos dois membros deste órgão na Assembleia Distrital (a presidente da AML, Arq.ª Helena Roseta, e do presidente da Junta de Freguesia do Beato, Eng.º Hugo Pereira) – e que se pode constatar lendo as respetivas atas das sessões de 12-09-2014 e de 17 e 24-10-2014 –, a sucessiva rejeição das recomendações sobre a situação da Assembleia Distrital (em 26-11-2013, 17-06-2014 e 16-09-2014) e, por fim, aquela que acabou sendo a posição oficial da Câmara Municipal, muito dificilmente este órgão colegial autárquico irá aceitar a Universalidade da ADL porque, por mais elementos que possamos apresentar e que demonstrem, de forma clara e objetiva as mentiras que fundamentam a alegada “falta de interesse na transferência dos equipamentos culturais da Assembleia Distrital para o Município de Lisboa”, ao que tudo indica, a subserviente bancada do PS nunca ousará contrariar aquela que tem sido a vontade de António Costa de aniquilar esta entidade e de remeter para a Administração Central a responsabilidade, nomeadamente, pelo pagamento das dívidas aos trabalhadores (sete meses de salários em atraso e o subsídio de férias).

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Alegadamente a posição da Câmara de Lisboa e, também, a da Área Metropolitana estará relacionada com o facto de considerarem que a Universalidade da Assembleia Distrital, nesta data, já não é aquela que constava da proposta aprovada em 24-10-2014.
Isto porque o Governo, entretanto, publicara em 26-11-2014 o Despacho a que se referia o n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 36/2014 apropriando-se de todo o património predial que a Assembleia Distrital integrara na sua Universalidade, protelando o imbróglio jurídico existente desde 1991. Isto porque, nos termos do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo, aquele ato é nulo dado ter sido publicado quatro meses depois do prazo legalmente definido para o efeito.
Contudo, depois do Tribunal Central Administrativo Sul em 15-01-2015, numa interpretação bastante polémica por estar completamente desfasada da realidade e validar uma ocorrência inconstitucional – a existência de salários em atraso por tempo indeterminado (como se demonstra no artigo “desajustes de um acórdão”), ter concluído que as Assembleias Distritais perderam personalidade jurídica ativa a partir do dia 01-07-2014 (data da entrada em vigor da Lei n.º 36/2014) e, portanto, já não podem reclamar os seus direitos em juízo, a impugnação do despacho do Governo de 26-11-2014 foi recusada.
Para obstar à impossibilidade da Assembleia Distrital ser parte em juízo e poder defender os seus direitos no Tribunal (que é como quem diz, os direitos dos municípios que pertencem ao distrito e que têm nos seus concelhos o património predial em causa: Amadora, Lisboa, Loures e Odivelas), acabei fazendo denúncia ao Ministério Público em 16-02-2015 contra este que apelidei de “golpe de mestre” (que visa impedir a reposição da justiça face ao confisco de 1991) e que a PGR entretanto já enviou para o DIAP de Lisboa.

Se a intenção dos autarcas era chegar a este ponto e entregar tudo de “mão beijada” (património predial, Serviços de Cultura – Arquivo Distrital, Biblioteca, Museu Etnográfico, Núcleo de Investigação, Setor Editorial e pessoal) ao Estado, por que razões:
Aprovaram na Assembleia Distrital,
1.  Em 11-02-2011, que fosse realizado o estudo completo e a inventariação detalhada do património predial registado em nome da Assembleia Distrital de Lisboa?
2.  Em 08-05-2013, os documentos provisionais e de prestação de contas que na sua essência estavam centrados na realização daquele objetivo (estudo e inventariação do património predial)?
3.  Em 04-06-2014, o Relatório e Contas de 2013 mas, sobretudo, por que escolheram o cenário que contemplava o património predial como parte integrante da Universalidade Jurídica da entidade?
4. Em 24-10-2014, a proposta definitiva de transferência da sua Universalidade para o Município de Lisboa com as exceções nela considerada?
E aprovaram nos seus Municípios,
6.   Assembleia Municipal de Odivelas, em 20-11-2014, aceitar os muitos prédios rústicos, incluindo quintas seculares, além de alguns urbanos e outros destinados a usos diversos?
Se, afinal, património predial e Serviços de Cultura (Arquivo Distrital, Biblioteca, Museu Etnográfico, Núcleo de Investigação, Setor Editorial e pessoal) eram para ser tratados desta forma displicente,
8.    Por que não foi logo assumido em sede própria (a Assembleia Distrital) outro cenário e outro destino para a Universalidade e se deixou arrastar o problema para este impasse de contradições que só tem vindo a prejudicar os trabalhadores?
Mas a principal pergunta que se impõe é:
9.   O que leva os(s) autarcas a terem posições tão divergentes consoante o lugar que ocupam? Isto é, o que justifica que na Assembleia Distrital assumam uma posição, nos órgãos municipais (câmara e assembleia) outra e no Conselho Metropolitano ainda outra?

CONCLUSÃO:

Esta incoerência dos(as) autarcas, a juntar à incompetência do Governo prenuncia nos tempos mais próximos um futuro negro para a Assembleia Distrital de Lisboa e arrasta prejuízos acrescidos para quem ainda aqui exerce funções, como é o meu caso, que continuo à espera que me paguem os sete meses de salário e o subsídio de férias de 2014 (cinco deles há mais de um ano) e a partir deste mês volto a estar sem vencimento por tempo indeterminado, além de que, por incúria de alguns políticos, é mais do que certo que o valioso património cultural desta entidade irá ficar ao abandono tal qual assim esteve a degradar-se (nalguns casos até à ruína completa) o património predial da ADL enquanto esteve a ser gerido pela Administração Central a quem os municípios resolveram, agora, entregar tudo por se recusarem a assumir as suas responsabilidades.

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