Era já noite
cerrada quando Salvador abandonou as instalações da empresa. Cansado, depois de
mais de doze horas consecutivas de trabalho, ansiava por chegar a casa e
abraçar os filhos que, a esta hora tardia, já deviam estar impacientes com a
sua demora.
Tremiam-lhe
as mãos, fraquejavam-lhe as pernas. A dor de cabeça, leve embora insidiosa, que
o incomodava desde manhã cedo, ameaçava agora transformar-se numa enxaqueca
bastante incomodativa.
Enquanto se
dirigia ao carro, estacionado no outro lado da rua, arrastando os pés em passos
lentos, tropeçou num buraco no passeio, quase foi atropelado por um
motociclista em alta velocidade, e só então reparou que deixara a carteira
sobre a secretária. Completamente desalentado, encostou-se ao carro e deixou-se
deslizar até ao chão, as lágrimas escorrendo-lhe pela face.
Entretanto
começou a chover. As gotas de água sobre o rosto deram-lhe alento e num esforço
supremo levantou-se, a vista turva, o olhar distante. Encaminhou-se de novo
para o escritório e ao pegar na carteira deixou cair uma fotografia.
Ali estava
ela, de sorriso aberto, olhos brilhantes, cabeleira loira rebelde emoldurando
um rosto oval sardento e de traços delicados. Maria Luísa, a sua companheira de
uma vida e mãe dos gémeos Lourenço e Gonçalo que nos seus inocentes quatro anos
ainda esperavam por ela todos os dias entre birras e choros, numa espera
desesperante que tanta dor lhe causava observar.
Porquê?
Porquê, meu Deus! Porque a levaste tão cedo?
De súbito
ouviram-se gargalhadas ecoando pela sala vazia. Um riso duplo entrecortado por
gritos de criança que o fizeram despertar para a realidade. Era o toque do
telemóvel: sim mãe, estou a ir para casa! Sim mãe, eu sei que já é tarde!
Diz-lhes que o pai já não demora.
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