sábado, 30 de abril de 2016

Para quê eleições autárquicas no município de Lisboa?


Sobre esta questão [pagamento das despesas de representação aos dirigentes do município de Lisboa] já muito aqui escrevi (em 30-01-2016, 06-02-2016, 07-02-2016, 09-02-2016, 10-02-2016 e 13-02-2016) e não pensava voltar ao mesmo depois de “ter entregue” o caso à Inspeção-geral de Finanças.
Todavia, tendo presente o teor da reformulada proposta da autarquia (por comparação à anterior), aprovada pelo executivo e que deveria ter sido discutida na Assembleia Municipal no passado dia 19 do corrente mês mas cuja votação foi mais uma vez adiada, não posso deixar de trazer de novo o assunto à colação.
E porquê?
Porque, sinceramente, não consigo deixar de me sentir chocada com o à vontade com que, no município de Lisboa, se desrespeita a lei e o funcionamento dos órgãos autárquicos, comportamento bem visível nesta situação e agravado pela atitude denunciada a semana passada pelo jornal Público.

Por isso, há duas perguntas que me coloco inúmeras vezes: tal como aconteceu com a posição de António Costa em relação à Assembleia Distrital de Lisboa quando ainda era presidente da autarquia (levando a entidade à falência e provocando a existência de salários em atraso durante muitos meses consecutivos, por mero capricho político assumido à revelia da lei e dos órgãos autárquicos do município), terá o PS no atual mandato mandado suspender a Constituição da República no que à Democracia diz respeito? E a outra é, em Lisboa para que servem, afinal, as eleições autárquicas e os órgãos deliberativos colegiais?


Retomando o tema das despesas de representação.
Começa logo pelo título da Proposta 131/CM/2016 «Atribuição de Despesas de representação ao pessoal dirigente da CML e ratificação dos atos de atribuição de despesas de representação praticados há menos de um ano.» (sublinhado meu)
Repito: «ratificação dos atos de atribuição de despesas de representação praticados há menos de um ano.»
Ou seja, organiza-se uma “barrela político-partidária” que limpe as ilegalidades cometidas e desresponsabilize políticos e dirigentes (secretário-geral e diretores dos departamentos de recursos humanos, contabilidade e finanças) que incumpriram a lei de modo deliberado pois que no âmbito das suas funções não poderiam alegar desconhecimento da legislação nem dos procedimentos necessários à aplicação das novas regras de atribuição daquele suplemento remuneratório e com certeza estariam conscientes (caso contrário seriam uns incompetentes) de que ao manter a liquidação dos abonos mesmo sem haver deliberação da Assembleia Municipal estavam a autorizar o pagamento de despesas sem cobertura legal.
Nos considerandos da proposta é, aliás, admitido precisamente isso, isto é, que se cometeram atos que importa sanar, e só se sana aquilo que se sabe foi cometido sem base legal de sustentação:
«Importa garantir o abono de despesas de representação aos titulares dos cargos dirigentes da CML, deliberando ao abrigo da competência prevista no n.º 2 do art.º 24.º da Lei n.º 49/2012, de 29 de Agosto, bem como ratificar-sanar os atos de atribuição de despesas de representação já praticados e não sanados.»
Tal como sintomático desta postura de desresponsabilização é o parecer do gabinete jurídico da autarquia ao concluir que:
«(XVII) Os vícios de incompetência relativa de que enfermavam os atos de atribuição e abono das despesas de representação praticados há mais de um ano encontram-se sanados, logo convalidados e sem necessidade de ratificação, por ter decorrido o respectivo prazo de impugnação contenciosa e, consequentemente, se terem tornado inimpugnáveis e firmado em definitivo na ordem jurídico, sendo a situação a eles subjacente insusceptível de reversão;
(XVIII) No que respeita aos atos de atribuição de despesas de representação praticados há menos de um ano e até 7 de abril de 2015, data de entrada em vigor do NCPA (Novo Código do Procedimento Administrativo), o vício de incompetência relativa ainda subsiste, pelo que é legalmente possível a sua ratificação pelo órgão legalmente competente para a sua prática, ou seja, por deliberação da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal (…);
(XIX) Quanto aos atos praticados depois de 7 de abril de 2015, inclusive, são igualmente susceptíveis de ratificação pela assembleia municipal nos termos referidos no ponto anterior (…);
(XX) A ratificação-sanação deverá constar de uma deliberação da Assembleia Municipal, órgão competente para a atribuição de despesas de representação aos dirigentes municipais atento o disposto no n.º 2 do art.º 24.º da Lei 49/2012, sob proposta da Câmara Municipal, repondo-se também dessa forma a regularidade procedimental prescrita na norma para essa atribuição.»
Depois desta leitura ficamos com uma certeza: na autarquia de Lisboa há alguns dirigentes que podem cometer ilegalidades de forma impune pois sabem que terão da parte dos autarcas certos a adequada cobertura.
Resta saber o que fará a IGF neste caso e o que faria se o mesmo se passasse noutro município qualquer. Assim como interessante seria saber qual a posição do PS numa autarquia onde fosse oposição e o PSD, por exemplo, assumisse um comportamento destes.
E por último:

Não tendo ainda sido possível “sanar-ratificar” as tais ilegalidades por a Assembleia Municipal ter adiado a aprovação da proposta acima identificada, e confirmado o “vício de incompetência” pelo próprio gabinete jurídico da autarquia, será que o município tem continuado a pagar as despesas de representação aos seus dirigentes? Com que justificação?

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