segunda-feira, 10 de junho de 2013

Format c:\ ao cérebro. Se um dia não tiver Google por perto, como será?

«Se bem se recordam, o filme Regresso ao Futuro II, de 1989, encontra-se, ainda hoje, inserido na categoria de ficção científica. No filme passado em Outubro de 2015, existe uma célebre cena no Cafe 80’s em que Marty McFly ensina miúdos do futuro a jogarem o velhinho Wild Gunman e no fim, não obstante a perícia de Marty, os garotos demonstram a sua desilusão com a forma de jogar desabafando «you mean you have to use your hands? That’s like a baby’s toy…».
Talvez inspiradas pelo filme, algumas gigantes das tecnologias têm vindo a apostar na redução dos 5 sentidos para apenas 4, eliminando a necessidade de utilização do tacto no nosso dia-a-dia. Depois do lançamento dos óculos da Google e do telefone que pode ser controlado com os olhos, foram já anunciadas as tecnologias «corte dos fios cerebrais» (cerebral cord-cutting) desenvolvidas por Todd Coleman. Assim como rapidamente nos fartámos de telefones e ligações à internet com fios que nos obrigavam a destruir a casa, agora parece que algumas entidades vêem como completamente desnecessários os nervos espalhados pelo corpo humano e que estão ligados ao cérebro. No fundo, podemos ter tudo ao alcance de um implante cerebral que consegue controlar os movimentos, comunicar com terceiros e até controlar objectos telepaticamente!
Além dos benefícios evidentes que o desenvolvimento destas tecnologias está já a trazer para a melhoria da qualidade de vida de tetraplégicos, amputados e vítimas de doenças degenerativas, certo é que a sua utilização não é exclusiva na saúde, mas também já é visível nas actividades rotineiras. Exemplo disso são as tatuagens electrónicas que estão a ser desenvolvidas para monitorizar os sinais vitais e que permitem controlar objectos telepaticamente ao mesmo tempo que se banaliza a utilização de drones. As BioStamp, como são conhecidas na Saúde, são mais finas do que um cabelo humano e já estão a ser utilizadas em Seres Humanos.
Talvez por isso a Motorola já tenha manifestado interesse em desenvolver a tecnologia para fins de lazer. E a Samsung já está a apostar num tablet controlado telepaticamente através de um boné colocado na cabeça. Outra justificação dada pelas empresas que pretendem explorar esta forma de vivência tendencialmente desumanizante prende-se com a facilidade de quebra do sigilo ou com o esquecimento de palavras-passe, podendo também permitir o rápido acesso a dados. Da tatuagem e do boné até ao nanochip implantado no cérebro a distância é cada vez menor.
A dependência das tecnologias é cada vez maior e ninguém parece minimamente preocupado com o estado de cativeiro em que paulatinamente nos vamos colocando. Eu próprio já dei conta das fragilidades da minha memória que se adaptou facilmente a motores de busca. O meu cérebro é cada vez mais preguiçoso e, não raras vezes, é difícil recordar-me de um nome, de uma data ou de um número de telefone. A tentação para não obrigar o cérebro a resgatar a informação que ele já conhece e recorrer facilmente ao Google é muito grande. Ainda assim, esforço-me por resistir à possibilidade de inutilizar o meu cérebro. Se um dia não tiver Google por perto, como será? Bloqueio? Não há como fazer reboot ou carregar em F5! Tenho de me esforçar para criar mecanismos que me permitam recordar de coisas que eu já sei mas que o cérebro vai ignorando por estar a habituar-se a ir ao Google ou ao telemóvel. «You mean you have to use your brain?»
No fundo, a estratégia para normalizar a desumanização é sempre a mesma: primeiro dá-se-lhe um ar cool e pacífico; depois torna-se viral quando meia dúzia de celebridades usam estes instrumentos. Como uma parte significativa dos consumidores são bovinos e seguem modas e tendências incondicionalmente, apenas se preocuparão se alguém repara quão modernos eles são. A discussão do tema fica para um dia mais tarde – se a houver.
No entanto, saliento um pequeno pormenor: esta digitalização do Ser Humano, que tende a transformá-lo numa espécie de cyborg, vai tornar-se um alvo apetecível para hackers, com uma ligeira diferença: em vez de passarem a controlar sistemas informáticos, possivelmente controlarão cérebros humanos. Em vez de nos preocuparmos com seguros de saúde, vamos ter de apostar numa boa firewall e num antivírus que proteja o nosso iBrain. E, afinal, que melhor maneira de alguém difundir mensagens, sobretudo políticas, sem qualquer tipo de oposição e sem necessidade de fundamentação, senão através do controlo cerebral de alguém e ao simples alcance de um format c:\ e de um c:\brain\ideais_e_valores\install_programa_eleitoral.exe ?»
Artigo de Alexandre Guerreiro, autor do blogue «Nem tudo Freud explica» publicado na edição da revista Papel, de 6 de junho de 2013.

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