quarta-feira, 17 de outubro de 2012

OE 2013: Ordem para roubar!

Imagens recolhidas durante a concentração de dia 15-10-2012: "Cerco a S. Bento. Este não é o nosso Orçamento"

O Orçamento de Estado para 2013, na versão entregue no dia 15 do corrente mês na Assembleia da República, integra uma proposta que visa, expressamente, sem quaisquer condições prévias, a passagem dos imóveis propriedade das Assembleias Distritais para a posse do Estado sendo que essa lei servirá como "título bastante para os atos de registo a que haja lugar" (n.º 6 do artigo 6.º do Projeto de Lei n.º 496/2012, de 10 de outubro).
Acontece, porém, que as Assembleias Distritais (entidades previstas no n.º 2 do artigo 291.º da Constituição da República Portuguesa) são entidades com autonomia administrativa, jurídica e patrimonial, pelo que apenas o seu órgão deliberativo tem competências próprias para gerir os bens que pertencem ao conjunto dos municípios do Distrito [alínea 1) do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro].
Consequentemente, enquanto aquele artigo da Constituição não for revisto e o diploma citado revogado, não pode o Estado apropriar-se dos bens de uma entidade que é equiparada a autarquia local, conforme assim o determina a lei da tutela – n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto. Este artigo é, assim, inconstitucional!
Por isso arrisco afirmar que:
Aquela disposição do OE 2013 é um CONFISCO PREDIAL, a INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UM ROUBO (mais um a juntar ao dos salários e das pensões feito em sede de IRS)... trata-se, afinal, de uma medida que visa permitir ao Estado apoderar-se de imóveis que pertencem a outrem. É a legalização dos assaltos com proteção legal. E abre-se um gravíssimo precedente: a legitimação do ato de confiscar e tomar posse de bens das autarquias e, quiçá, até dos privados (empresas ou cidadãos) sem qualquer justificação.
Mas antes de prosseguir a análise desta atitude prepotente e ilegal do Governo, importa ler o conteúdo da carta conjunta (assinada pelos Secretários de Estado das Autarquias Locais e da Administração Interna) que foi enviada a todas as Assembleias Distritais em dezembro de 2011:

«A Constituição da República Portuguesa atribuiu aos distritos um caráter temporário, ao prever a sua manutenção até à instituição das regiões administrativas. Desde então cada distrito dispõe de uma assembleia deliberativa, a Assembleia Distrital, cuja intervenção de salvaguarda e valorização do património histórico e cultural do distrito, assumida ao longo dos anos, dever ser reconhecida e enaltecida, sobretudo tendo em conta os escassos recursos financeiros de que dispunham e dispõem atualmente.
Não obstante o esforço promovido pelos responsáveis e trabalhadores das assembleias distritais, é inegável que ao longo do tempo, a realidade distrital tem vindo a perder relevância jurídica e administrativa, lançando dúvidas sobre a essencialidade da sua existência no atual mapa jurídico-administrativo do país. Consequentemente, também a existência e funcionamento das Assembleias Distritais é hoje posta em crise, sobretudo tendo em conta os imperativos constitucionais que obrigam a uma revisão constitucional para proceder à sua extinção.
Os desafios com os quais Portugal hoje se depara exigem que, a par da reforma operada ao nível dos Governos Civis, bem como da reorganização administrativa do território português que está em curso, as Assembleias Distritais devam ser também objeto de uma reponderação à luz do esforço das atribuições e das competências das autarquias locais e, bem assim, do princípio da racionalização de meios e recursos que a consolidação orçamental reclama.
A vontade política do Governo em proceder à alteração fáctico-jurídica das Assembleias Distritais, não só do ponto de vista estrutural mas também financeiro, vai hoje ao encontro da vontade dos municípios, no sentido de uma eventual transferência de competências daquelas entidades para o nível municipal ou supramunicipal, acompanhada da liquidação do seu património e à definição do regime legal aplicável aos seus funcionários.
Deste modo, torna-se necessário fazer um levantamento aprofundado de todas as situações jurídicas atualmente existentes em cada Assembleia Distrital, tendo em conta a diversidade de património e competências por elas desenvolvidas, bem como os vínculos laborais que detêm os seus funcionários.
Tal processo deverá ser iniciado por quem melhor conhece a realidade distrital, de modo a permitir uma identificação concreta dos serviços desenvolvidos, do acervo patrimonial em causa e dos trabalhadores afetos às respetivas Assembleias Distritais.
Ora, apenas com a união de esforços e a congregação de vontades poderá ser posta em prática esta intenção do Governo que se julga ir também ao encontro das intenções dos próprios trabalhadores das Assembleias Distritais que, por diversas vezes, já manifestaram a sua preocupação perante a escassez de recursos financeiros materializada na recusa da contribuição financeira legalmente devida por parte dos municípios.
Estamos seguros que as Assembleias Distritais e os respetivos municípios integrantes, conjuntamente com os Secretários Distritais, contribuirão para dar o devido desenvolvimento ou inexistência de situações jurídicas que devam ser salvaguardadas num eventual processo de extinção, e propondo soluções e alternativas de competências e de pessoal, por forma a concretizar o esvaziamento de conteúdo destas entidades.
Do Governo, sabe V. Exª, conta sempre com toda a colaboração e disponibilidade.
Com os melhores cumprimentos.»

Pelos vistos nestes dez meses que medeiam entre o envio daquela missiva e o presente, o Governo preferiu optar por uma solução mais radical: em vez de transferir as competências das Assembleias Distritais para as autarquias, ou para as associações de municípios, resolveu deixar tudo na mesma a esse nível mas ficar-lhes, de imediato, com o património obrigando-as, assim, a cometer “suicídio institucional” contribuindo, deliberadamente (e com dolo), para agravar, e não para resolver, o problema da instabilidade vivida nestas instituições, cujas consequências recaem, em exclusivo, sobre os trabalhadores.
Tal como aconteceu em 1991 a quando da implementação do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, com a "atribulada" e pouco transparente transferência do vastíssimo património da Assembleia Distrital de Lisboa para o Governo Civil de Lisboa (bens móveis, imóveis e ativos financeiros) - e que duas décadas passadas se encontra ao abandono (quintas seculares, terrenos agrícolas, bairros sociais, etc.), parece-nos que também agora a única preocupação do Governo é, apenas, com a posse do património predial destas entidades, esquecendo o seu imenso e valioso património cultural (a título de exemplo: Biblioteca e Arquivo Distrital, em Lisboa; Museu Rainha D. Leonor, em Beja; Museu de Arqueologia e Etnografia, em Setúbal; Museu Etnográfico de Vila Franca de Xira, pertença da AD de Lisboa, e Convento do Vairão, Vila do Conde, da AD do Porto), além de, mais uma vez, e apesar do que os Secretários de Estado diziam na sua missiva, se esquecerem do pessoal que exerce funções nestas estruturas e que merece ser tratado com todo o respeito e dignidade.
Tendo presente os acontecimentos ocorridos na sequência da entrada em vigor do atual regime jurídico das Assembleias Distritais, em que os trabalhadores da AD de Lisboa estiveram quatro meses consecutivos sem receber vencimento, mercê da precipitada transferência de património para a Administração Central sem que tivessem sido acauteladas as diversas questões relativas aos Serviços e Pessoal, e temendo que possa acontecer o mesmo em 2013 a todos os que, ainda hoje, exercem funções nestas entidades (Beja, Castelo Branco, Lisboa, Porto, Santarém, Setúbal, Vila Real e Viseu), a “Comissão Nacional de Trabalhadores das Assembleias Distritais” já pediu audiências a todos os grupos parlamentares para que possam expor as suas preocupações e ser esclarecidos quanto ao destino que o Governo pretende dar às Assembleias Distritais (incluindo os seus Serviços, Pessoal e Património Cultural e não somente os seus bens prediais).
No atual panorama da nossa Administração Local, os trabalhadores estão cientes de que estas estruturas já não fazem sentido. Mas exigem que a solução encontrada seja coerente, consistente e que, sobretudo, respeite a lei e a justiça, coisa que, de todo, está a ser cumprida.

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